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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Em 1998, o crítico e curador francês Nicolas Bourriaud publicou "Esthétique Relationnelle" (estética relacional), um livro que abordava o método de criação de um grupo de artistas influentes nos anos 90, entre eles Rirkrit Tiravanija, Dominique Gonzalez-Foester, Marcel Broodthaers e Felix Gonzalez-Torres.

Traduzido em 12 línguas, o livro, que se tornou uma das melhores formas de observação da produção contemporânea, vê a arte como "um estado de encontro" e a essência da humanidade como "puramente trans-individual, feita por vínculos que conectam as pessoas em formas sociais, invariavelmente históricas". Em resumo, a arte contemporânea discute "como viver junto", justamente o título da Bienal de São Paulo.

Na última terça, Bourriaud, que já foi diretor do Palais de Tokyo, em Paris, e é curador da Bienal de Moscou, falou no quinto seminário da mostra, "Trocas". Lá, a curadora Lisette Lagnado explicou que chegou ao "como viver junto" a partir das propostas dos anos 60 e 70 de Hélio Oiticica (1937-1980), artista que não consta do livro do francês. Apesar de partirem de princípios distintos, ambos, Lagnado e Bourriaud, chegaram a conceitos parecidos, usando artistas históricos como referência. Leia a seguir, porque o passado é tão importante, segundo o curador.

Folha - O que você achou desta edição da Bienal?

Nicolas Bourriaud - É uma bienal muito boa, pois ela resume o que está acontecendo nas artes desde o início dos anos 90 e com um claro ponto de vista histórico. Em 1996, eu curei uma mostra com o mesmo tema, chamada "Trafic", incluindo Maurizio Catelan, Gabriel Orozco, entre outros. Naquela época, eles não eram conhecidos, mas foi importante, porque ali se cristalizou uma situação que passaria a ser dominante a partir de então. Foi a primeira exposição que partiu da idéia de "relação" como tema, e há muitas variações desse tema que podem ocorrer, não quero brigar pelos direitos autorais dele, pois ele veio da observação do mundo da arte, eu apenas busquei encontrar um ponto comum.

Folha - E quando você tomou conhecimento de que Oiticica também podia ser inserido neste grupo?

Bourriaud - Houve uma boa mostra sobre Oiticica em Paris [galeria nacional do Jeu de Paume, 1992], e foi quando suspeitei que havia outro artista que podia ser incluído na estética relacional, antes mesmo da criação desse conceito, como o que fiz com Gordon Matta-Clark no livro. Há outro artista, o Tom Marioni, que vive em São Francisco e, em 1917, fez o trabalho "Beber Cerveja com os Amigos É a Mais Alta Forma de Arte", que é muito próximo do que faz Tiravanija, hoje.

Folha - Essa obra, aliás, estava na Bienal de Lyon, que você organizou no ano passado. Você, então, acha válido apresentar trabalhos históricos, como ocorre na Bienal de São Paulo, com Matta-Clark?

Bourriaud - Acho muito importante lutar contra a amnésia! Da mesma forma que as vanguardas radicais do início do século 20 foram baseadas na idéia de futuro, é muito possível que a modernidade do século 21 (eu não gosto do conceito "pós") seja baseada em leituras do passado.

No século passado, o futuro era o modelo de leitura do presente, hoje, talvez, o passado seja o modelo de leitura. Isto ocorre por conta da padronização do planeta, que apaga a memória, e a melhor forma de lutar contra isso é não voltar ao passado, mas ler o passado no presente, buscar novos itinerários no passado e isso é muito importante. Busquei fazer isso em Lyon e vejo isso em SP.

Folha - No seminário você disse que as artes plásticas haviam tomado o lugar do cinema que, nos anos 60 e 70, era quem trazia novidades. Por quê?

Bourriaud - Primeiro, por razões econômicas. Produzir e apresentar um vídeo numa galeria é muito mais barato que realizar um filme para o circuito internacional. A economia, no mundo da arte, é muito mais fácil para esse tipo de projeto. Há cineastas como Chantal Akerman ou Amos Gitai, entre outros, que agora participam de mostras. É um novo fenômeno, que possibilita um novo tipo de relação, de produção rápida e barata.

Folha - Um dos membros do Jamac, também na Bienal de São Paulo, disse que agora acreditava ser possível transformar o mundo só pela arte...

Bourriaud - É o mesmo fenômeno. Arte é o lugar da experimentação. Onde há qualquer espaço para experimentação na política? Arte, de certa forma, é sempre mediação do mundo. Mesmo que seja usada a escala 1:1, será sempre diferente da realidade, porque é arte. É possível experimentar porque arte lida com algo que poderia ser realidade, mas leva os participantes para um outro domínio, um outro campo, dando várias possibilidades que a política não permite mais.


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